10.3.10

"Criancices"

Hoje isto atingiu-me: não vou voltar a ser criança! Nunca mais!!

Se normalmente recordo os tempos de criança com nostalgia e algum saudosismo, hoje senti mesmo desespero. Não quero parecer ingrato pelo que a vida me deu e pelo que tenho hoje, que, valha a verdade, não fica muito atrás dos tempos idos. Ainda assim, há coisas que me marcaram e que não vão voltar. Momentos que não se repetem, pelas especificidades próprias da vida, uma das quais a sua não repetição.

Não escondo que sou feliz e que estou imensamente grato pelo que vivi e pelo que estou a viver. No entanto sinto falta da liberdade que a inocência infantil nos dá. Recordo os tempos do secundário (ou de liceu, como dizem os "antigos") e lembro-me particularmente dos meus colegas que diziam querer ir para a universidade para terem a sua independência, porque só aí seriam livres. Lembro-me porque hoje, praticamente no fim dos meus estudos universitários, só posso contrariar essa tese dos efeitos libertadores da frequência do ensino superior. Liberdade? Liberdade era ter alguém que me acordasse que não o despertador! Ter alguém que me aconchegasse na cama todas as noites e ter um beijo de boa noite garantido, mesmo que o dia tivesse sido prolífero em asneiras!

Bem sei que nem todos tiveram uma infância como a minha, mas nada posso fazer em relação a isso se não lamentá-lo, porque hoje, aos 21 anos de idade, sei que não há (quase) nada como a infância, ser criança. Para os que tiveram a felicidade de, como eu, não passar por dificuldades e ter a atenção dos seus pais, certamente não será difícil compreender que não há outra fase da vida como aquela em que tudo era feito em função de nós e, no fundo, não tínhamos que nos sentir culpados por isso, porque é assim mesmo que deve ser! Porque quando somos pequenos, somos frágeis e ignoramos a dimensão da nossa fragilidade.

O mais que posso desejar agora é reviver a infância através dos meus próprios filhos, quando os tiver. Por tudo isto, tenho dificuldade em compreender como é que tanta gente, nos dias que correm, decide não ter filhos. Só me ocorre que todos tenham tido péssimas infâncias ou que sejam demasiado egoístas para querer que, pelo menos, mais uma pessoa possa viver uma infância. Tudo bem que hoje em dia é difícil conseguir ter as condições necessárias para ter um cenário de sustentabilidade doméstica ideal, mas o principal factor a considerar, na minha opinião, é o amor que se tem para dar aos próprios filhos. Acho que só uma situação de extrema miséria me poderia levar a desistir do desejo de ter filhos. Dizendo isto poderá parecer que os devia ter já, mas há que compreender que eu não ignoro a necessidade de concluir os estudos e estabilizar antes de se constituir família! Estou só a desabafar! O expressar de uma vontade que esconde um desejo impossível - o regresso à infância!



Guardo comigo recordações, imagens mentais de momentos que vivi, que fizeram e fazem de mim quem sou. Não posso regressar à minha infância, mas posso sempre registar em tom de "desabafo", de "story telling", algumas dessas recordações. Acho que, ao "deitá-las cá para fora", estou também a revisitá-las, pelo menos dentro do possível.